Aquilo que os empreendedores insistem em não aprender sobre a legislação e o licenciamento ambiental.

Postagem publicada originalmente em fevereiro de 2019 no nosso antigo blog.

Nos últimos dias assistimos a maior tragédia do mundo relacionada ao rompimento de barragens, no quesito de perdas humanas, no município de Brumadinho/MG. Até o momento em que escrevo este texto, os números oficiais são 134 mortes confirmadas, 120 corpos identificados e 199 desaparecidos. Não há palavras para descrever a tragédia humana, social e ambiental ocorridas por este terrível acontecimento. Uma pena que ainda tenhamos que assistir cenas assim com pouco mais de três anos após o maior acidente ambiental da história do Brasil, o rompimento da barragem de Fundão em Mariana, que destruiu vilarejos, causou 19 mortes e foi responsável pela destruição da biota aquática do rio Doce. Lembrando que até o ocorrido em Brumadinho nenhuma multa ambiental aplicada à Samarco havia sido paga.

Voltando ao tema central deste texto, a legislação ambiental é vítima de muita desinformação e ignorância. Recentemente no país, uma corrente ideológica vem tomando corpo que aponta que a legislação ambiental é um entrave ao desenvolvimento do país. Inclusive, o Presidente Jair Bolsonaro repetiu isso várias vezes ao longo de sua campanha eleitoral. A questão ambiental é vista como uma inimiga dos empreendedores o do mercado, visão esta que veremos não estar alinhada com a realidade.
Para começar vamos tratar da legislação ambiental. Já falamos em vários posts aqui do blog que a legislação ambiental brasileira é uma das mais avançadas do mundo. Isso foi fruto de muito trabalho e do pioneirismo brasileiro nesta área. É comum ouvirmos algumas pessoas, pequenos produtores rurais principalmente, reclamando de que as leis são muito severas e que não haveria necessidade de se preservar tantas áreas. É verdade que nossa legislação é avançada mas, na prática, o meio ambiente no Brasil ainda não é levado realmente à sério. A prova disso? Falta fiscalização e as multas, quando aplicadas, não são pagas. Em outras palavras, impunidade.
Neste momento você deve ter percebido que defendo uma legislação severa, fiscalização acirrada e um licenciamento ambiental mais abrangente e exigente possível. Antes de começar a bradar “ambientalista!”, aguarde a argumentação que seguirá esta frase. Para começar, a tratar das coisas que os empreendedores insistem em não entender é que o licenciamento ambiental serve para, entre outras coisas, proteger o próprio empreendedor de si mesmo. Calma aí que eu explico.
Thomas Hobbes em sua imortal obra Leviatã publicada em 1651 disse que o “O homem é o lobo do homem” e que o Estado serviria para proteger os membros da sociedade. Este mesmo raciocínio vale para o licenciamento ambiental. Apesar de eu achar por óbvio que a simples preservação do meio ambiente e da biodiversidade já seria motivo suficiente para que o processo licenciador seja bem realizado, a questão de se evitar tragédias sociais, riscos à saúde humana dão apoio a esta visão (veja este nosso outro post, onde falamos de alguns benefícios para o agronegócio ao se preservar a biodiversidade).
O rompimento da barragem do Córrego do Feijão este mês trouxe sérias perdas financeiras para a Vale: cobrança das multas não pagas pela empresa referente à barragem de Fundão em Mariana; congelamento de cerca de 15 bilhões de reais para reparação dos danos às vítimas e município; perda de valor de mercado com desvalorização de 71 bilhões na bolsa de valores em um dia; suspensão do pagamento de dividendos aos acionistas; doações de 100 mil reais para cada família de vítimas; multas; paralisação das atividades na área da mina; compromisso de remover todas a barragens à montante; reparação do dano ambiental, gastos com advogados, crise fiscal ao município; possível desemprego e por aí vai. Já deu para entender que do ponto de vista meramente financeiro, o licenciamento ambiental mal feito pode custar muito ao empreendedor e pode evitar futuras perdas e complicações. Sendo assim, vale a pena investir nesse quesito. Só um adendo, não pretendo aqui de forma alguma acusar a Vale de crime ou fraude ambiental. Isso será devidamente investigado e julgado. Estou apenas mostrando como o licenciamento ambiental pode evitar prejuízos como os que estão atingindo a mineradora citada.
Outro ponto desconsiderado é que meio ambiente e sustentabilidade são questões de negócios, digo do ponto de vista de lucros. Preservar o meio ambiente agrega valor ao produto e a marca. Como benefício, possibilita aumento do preço de mercado (maiores lucros) e a entrada de novos mercados, em especial no caso das exportações. Vários países levam isso em conta na hora fechar acordos comerciais vultosos e esses tem sido um dos grandes diferenciais dos nosso produtos provenientes do agronegócio no exterior. Destaco ainda que quando o novo governo anunciou que pretendia unificar os ministérios da agricultura e do meio ambiente em uma única pasta, os próprios representantes do setor solicitaram que isso não fosse feito. Isso causaria grandes prejuízos a eles devido a perda de mercados e competitividade. Num mundo cada vez mais competitivo, quem é que quer perder oportunidades e dinheiro?
Quanto mais teremos que pagar em vidas humanas, em destruição do meio ambiente para que nosso país trate o meio ambiente com a seriedade que ele merece? Quantas vezes mais assistiremos acidentes como os acontecidos? Quanto dinheiro precisaremos gastar para tentar reparar danos que poderiam ser evitados? Quanto dinheiro iremos desperdiçar até parar de demonizar a legislação ambiental e enxergar nela oportunidades? Deixo aqui esses questionamentos ao leitor para que ele reflita sobre o assunto.
Deixe seus comentários sobre o que você pensa sobre a questão.
Diego D. Dias, biólogo, mestre em ecologia de biomas tropicais e consultor ambiental na Vellozia Estratégia e Consultoria Ambiental.
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