Empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de impactos à fauna e flora em suas áreas de influência, estão sujeitas ao licenciamento ambiental. O resgate de fauna silvestre irá ocorrer durante a instalação e/ou o funcionamento destes empreendimentos, tais como estradas, hidrelétricas, ferrovias, linhas de transmissão de energia, abertura ou expansão de cavas de minas e barragens, aeroportos, entre outros. Ambos causam impactos diretos e imediatos na fauna da área diretamente afetada (ADA) pelos mesmos. Portanto, o resgate de fauna tem como objetivo minimizar os danos causados diretamente sobre a fauna silvestre, diminuindo a perda de patrimônio biológico e genético de espécies animais.
Para este tipo de trabalho, o termo manejo de fauna também é comumente utilizado, já que este envolve tanto o salvamento, resgate, triagem e destinação dos animais. Portanto, não apenas o resgate, mas também o transporte e soltura fazem parte. Além disso, a identificação dos animais é muito importante, inclusive para os relatórios exigidos pelos órgãos ambientais.
Dependendo do tipo da licença ambiental, os grupos faunísticos a serem resgatados podem variar. Neste texto, citarei minha experiência com o resgate de animais vertebrados junto à supressão de vegetação para instalação e funcionamento de um empreendimento.
Como é realizado o resgate de fauna
Este tipo de trabalho exige métodos de captura ativo, onde o biólogo procura os animais para serem capturados, tanto antes quanto durante a supressão vegetal. Antes de serem iniciadas as atividades de supressão, os biólogos fazem uma vistoria na área a ser desmatada para afugentar, resgatar e/ou identificar ninhos, tocas, vespeiros, colméias, entre outros. Em muitos casos, o afugentamento para áreas seguras e adjacentes à ADA, acaba sendo uma solução diante da dificuldade de captura de alguns grupos animais, como mamíferos de médio e grande porte. Em tese, o afugentamento é a primeira medida adotada pelos biólogos, pois evita o estresse causado pela captura, triagem e transporte dos animais, o que pode causar a morte de alguns indivíduos.
Na maioria das vezes, entre os animais vertebrados, o grupo com maior número de capturas é o da herpetofauna (anfíbios e répteis), devido à menor capacidade de deslocamento dos mesmos. Além deste fator, outros como o abandono de ovos e filhotes devido ao estresse, comportamento territorialista, entre outros, também influenciam na taxa de captura de algumas espécies.
Alguns dos animais capturados no meu trabalho com o resgate de fauna. Fotos: Danilo Vieira/Arquivo Pessoal.
Local(is) de soltura dos animais capturados
Após a captura, identificação e avaliação da saúde dos animais, os mesmos devem ser devidamente soltos em outras áreas fora da ADA do empreendimento. O ideal é que estes animais sejam soltos em locais com fitofisionomias semelhantes à área de captura e uma boa capacidade suporte, ou seja, com o maior tamanho possível. Tais locais serão determinados pelos órgãos ambientais no programa de resgate de fauna, podendo ser áreas preservadas do entorno imediato à ADA, unidades de conservação próximas (com a devida autorização), APPs (áreas de preservação permanente) e/ou a própria reserva legal do empreendimento.
Animais feridos ou mortos
Junto aos biólogos existem veterinários responsáveis por avaliar as condições de saúde do animal capturado. Quando há um ferimento, cabe ao veterinário decidir se vale ou não a pena tentar salvar o animal. No meu trabalho houve um episódio em que encontramos uma cobra Jararaca (Bothrops jararaca) com alguns cortes profundos. A veterinária responsável decidiu que deveríamos levar o animal para ser operado. Neste caso, enquanto eu continha o animal (com os devidos EPIs), ela realizou os procedimentos necessários (imagem abaixo). Após a operação, a cobra ficou em observação durante 24h e depois foi solta na reserva legal do empreendimento.
Na primeira imagem, um indivíduo de B. Jararaca na caixa de transporte, antes da sua soltura. Na segunda imagem, o mesmo indivíduo pós-operatório (com pontos). Fotos: Danilo Vieira/Arquivo Pessoal.
Quanto aos animais mortos, estes, se estiverem em bom estado de conservação, são devidamente preservados, podendo ser mantidos em freezer ou imersos em álcool 70º. Posteriormente, devem ser enviados para instituições de ensino vinculadas, para uso de estudos científicos.
Equipamentos e aplicativos utilizados
➭ EPIs (equipamentos de proteção individual) necessários: botas de segurança, colete com faixa refletiva, capacete, perneira, luvas (de raspa ou vaqueta), óculos de proteção, protetor solar, protetor auricular. O uso de chapéu e blusa de manga comprida são aconselháveis pela longa exposição ao sol.
➭ Veículos 4x4 para deslocamento entre as áreas afetadas e transporte dos animais capturados.
➭ Pinção, gancho de contenção, cambão, puçá, caixa de transporte (ventilada), apito (para afugentamento), entre outros.
Uso de pinção para capturar uma cobra Jararaca. Foto: Danilo Vieira/Arquivo Pessoal.
Saber usar aplicativos de georreferenciamento e de fotos/vídeos com geolocalização, data e hora, é muito importante. Como exemplos, cito alguns gratuitos: Alpine, Geo Tracker e Timestamp Camera. Além disso, ter domínio de softwares como o Microsoft Excel para planilhamento das espécies coletadas e identificadas, também é fundamental neste trabalho.
O biólogo deve estar preparado
Ter meios para a identificação das espécies capturadas é muito importante, ou seja, o biólogo deve saber usar chaves de identificação e/ou ter materiais/fontes de consulta com imagens.
O manejo/resgate de fauna é um trabalho árduo, que exige, em qualquer ambiente, um certo preparo físico do biólogo e adaptação às adversidades climáticas. Em locais onde trabalhei, como nos campos rupestres do Quadrilátero Ferrífero - MG, com muita exposição ao sol e muitos desníveis, é muito importante fazer hidratação constante, uso de protetor solar e chapéu, além de estar preparado para subir e descer serras. Em adição a isso, em tais ambientes montanos o clima pode mudar abruptamente, com a chegada de cerração, friagem ou pancadas de chuvas. Sendo assim, o biólogo deve estar preparado para diversas situações.
Cerração densa. Foto: Danilo Vieira/Arquivo Pessoal.
Impactos ambientais e a importância do resgate de fauna
A supressão da vegetação gera diversos impactos negativos para a fauna silvestre, como a morte de indivíduos e a perda de seus habitats naturais ou redução da área de vida. A diminuição dessas áreas somada ao afugentamento/soltura de parte da fauna em áreas adjacentes à ADA, gera aumento da competição intra e interespecífica por recursos, além de alterações das taxas de predação, reprodução, dentre outras. Dessa forma, após a supressão da vegetação e a realização do programa de resgate, o programa de monitoramento de fauna é imprescindível para posterior análise dos impactos causados na área de influência do empreendimento.
Como abordado no início deste texto, o resgate/manejo de fauna é uma forma de minimizar os impactos causados diretamente à fauna pela instalação e funcionamento de alguns empreendimentos. Portanto, é um trabalho muito importante para a preservação da fauna silvestre, que para ser bem realizado, dependerá de vários fatores, como a experiência e o comprometimento da equipe de biólogos e do bom entrosamento entre estes e a equipe de desmate.
Algumas INs (Instruções Normativas) IBAMA que dão diretrizes para a realização do manejo de fauna silvestre no âmbito do licenciamento ambiental:
Danilo Vieira, biólogo e mestre em Ecologia de Biomas Tropicais.
Parabéns, muito didático.
ResponderExcluirObrigado Giordani
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