Ricardo Salles revoga ato que prejudicava conservação da Mata Atlântica



      O ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles revogou um ato de seu ministério que, na prática, poderia cancelar infrações ambientais na Mata Atlântica como desmatamento e queimadas, além de regularizar invasões ocorridas neste bioma até julho de 2008. Esse despacho abria espaço para o descumprimento de partes da Lei 11.428/2006, conhecida como Lei da Mata Atlântica, aplicando em seu lugar as normas do Código Florestal que é muito mais permissivo.

Esse ato, publicado no mês passado, é um exemplo claro da estratégia apontada por Ricardo Salles na reunião ministerial divulgada no dia 22 de maio. Segundo Salles, agora seria o momento ideal para ir mudando as regras ambientais, enquanto a mídia e a população estão preocupadas com a pandemia de covid-19. Este despacho ocorreu dias antes da reunião, e vai ao encontro da fala do ministro na infeliz reunião.

A Mata Atlântica é o bioma mais frágil do Brasil, atualmente apenas 7,3% da sua cobertura original se encontra preservada. Está localizada na região mais populosa e desenvolvida do país, sendo explorada economicamente há mais de 500 anos.  Além de seu valor inestimável para a biodiversidade, este bioma é fundamental para o abastecimento de água das regiões onde se concentram a maior parte da população brasileira. É tão grande sua importância para o país que ela foi transformada em patrimônio nacional pela Constituição em seu artigo 225.

  Dessa forma, fica claro que despacho do ministério do Meio Ambiente foi muito infeliz, pois além de não respeitar os preceitos constitucionais, acontece num momento em que há um aumento do desmatamento da Mata Atlântica. Para se ter uma ideia do que esse ato poderia significar, o despacho anularia, só no Ibama, por volta 1.400 multas de proprietários que invadiram áreas de preservação permanente e retiraria deles a necessidade de reparação do dano ambiental.

Esta medida não foi bem-aceita pela sociedade e gerou contestação judicial. No mês passado, o Ministério Público Federal (MPF) do Distrito Federal entrou com uma ação na justiça para anulação do ato. Ainda, o MPF de São Paulo havia requerido que o Ibama descumprisse o despacho. Por isso, Salles recuou na resolução e anunciou que a Advocacia-Geral da União irá entrar no Supremo Tribunal Federal com uma Ação Direta de Constitucionalidade para saber se o Código Florestal pode ser aplicado à Mata Atlântica. Assim, caberá à suprema corte a decisão sobre o destino desse bioma tão importante para o Brasil.

Diego D. Dias, biólogo, educador ambiental, mestre em Ecologia de Biomas Tropicais e consultor ambiental na Vellozia Estratégia e Consultoria Ambiental

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Semana mundial do meio ambiente: será que temos algo a comemorar?

       Na semana mundial do meio ambiente, a pergunta que fica no ar é: temos algo a comemorar neste ano? No dia 22 de maio, o cidadão brasileiro teve a oportunidade de presenciar um dos capítulos mais estarrecedores da história de nosso país. O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, retirou parcialmente o sigilo da reunião ministerial ocorrida no dia 22 de abril. Entre os ocorridos na reunião, o ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, protagonizou um dos episódios mais lamentáveis da história republicana. Ao presidente e seus pares, Salles pronunciou: “Precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, por só falar de covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”, e ainda afirmou: “O Meio Ambiente é o mais difícil de passar qualquer mudança infralegal em termos de instrução normativa e portaria, porque tudo que a gente faz é pau no Judiciário no dia seguinte”. O ministro foi ainda mais longe na sua proposição, quando disse que as mudanças por ele pretendidas não passariam pelo Poder Legislativo: “Não precisamos de Congresso, porque coisa que precisa de Congresso também, nesse fuzuê que está aí, nós não vamos conseguir aprovar. Agora, tem um monte de coisa que é só parecer e caneta”.
A fala de Ricardo Salles foi extremamente lamentável. Já o seria na boca de qualquer membro do Poder Executivo, mas assume um ar ainda mais grave vinda do próprio ministro do meio ambiente, em um momento que o Brasil é considerado o novo epicentro da pandemia de covid-19. Estamos tendo mais de 1000 mortes diárias em nosso país, com o sistema de saúde à beira do colapso, e, segundo o ministro, este é um momento de “tranquilidade”, ideal para mudanças nas regras... O que dizer disso? Essas mudanças se dariam por decretos, instruções normativas e pareceres para contornar as resistências e impedimentos vindos do Congresso Nacional. Um dos exemplos dessa estratégia apontada por Salles, é o despacho do dia 06 de abril, onde se reconhecia como áreas consolidadas as APPs desmatadas e ocupadas  na Mata Atlântica até o ano de 2008. 
 A fala do ministro é preocupante do ponto de vista político, jurídico, ambiental e moral. Do ponto de vista político, é um discurso autoritário que tem sido uma característica cada vez mais explícita desse governo que elegeu as instituições brasileiras como “inimigas”. Essas mudanças no regramento sugeridas por Salles, caso fossem levadas ao Congresso para apreciação do Poder Legislativo, certamente não prosperariam.
No campo jurídico, fere a Constituição Brasileira que garante em seu art. 225 o “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. A preservação do meio ambiente é um valor presente na nossa Carta Magna e um direito de todo cidadão brasileiro. O simples fato de um ministro propor que esse valor não seja seguido pelo governo, torna o ato inconstitucional e a demissão deste ministro necessária.
 Quanto à questão ambiental, as perdas de áreas verdes e serviços ecossistêmicos são imensuráveis. O Brasil vem batendo recordes de desmatamento no ano de 2020, tanto em áreas da Amazônia, como de Mata Atlântica. O desmatamento desordenado destas florestas, pode agravar, e muito, o efeito estufa. Ressalta-se ainda, o fato de que vários acordos comerciais do Brasil possuem cláusulas de proteção ao meio ambiente e cumprimento da legislação ambiental, que, se descumpridas, podem agravar a crise econômica em nosso país. Isso tudo serve para piorar ainda mais a imagem brasileira no exterior. A proposição do “valente” ministro contraria não só o bom-senso, como também, o contexto geopolítico atual.
Já no campo da moral, é triste ver que um ministro queira usar uma catástrofe humana de proporções globais – e ao que tudo indica, com um enorme número de mortos no Brasil – para agredir a legislação que regulamenta sua pasta. Num momento como este, espera-se das autoridades brasileiras: liderança, apoio, políticas para soluções de problemas e superação deste momento difícil. Mas o que se viu foi mesquinhez e miséria moral. Nem mesmo a dor, daqueles que perderam entes queridos, foi respeitada. A vida humana se tornou, apenas, uma “cortina de fumaça” a ser utilizada como oportunidade política, para se conseguir objetivos “infralegais” e inconstitucionais. 
Ricardo Salles será lembrado na história pela sua incompetência que trará graves consequências para o Brasil. Demorará muito tempo para nosso país se recuperar dos ocorridos neste período. Isso me faz perguntar mais uma vez: há o que comemorar nesta semana do Meio Ambiente?

Diego D. Dias, biólogo, educador ambiental, mestre em Ecologia de Biomas Tropicais e consultor ambiental na Vellozia Estratégia e Consultoria Ambiental

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Pacto Verde Europeu, crise econômica mundial e o Brasil, o que eles têm a ver?




A União Europeia (UE) que já vinha unindo esforços nos últimos anos contra a crise climática, não pretende cessá-los, mesmo com a crise econômica mundial instalada devido a pandemia causada pelo coronavírus (SARS-CoV-2).

Em dezembro de 2019, a UE apresentou um plano, chamado de Pacto Verde Europeu (European Green Deal) ou Pacto Ecológico Europeu, que tem como algumas de suas metas:

· a inexistência de emissões líquidas de gases que intensificam o efeito de estufa em 2050

· o crescimento econômico dissociado da exploração dos recursos 

Para atingir tais metas, estima-se um investimento de bilhões de euros vindos tanto do setor público quanto privado. Além disso, foi criada a proposta da Lei Europeia do Clima, que transforma o compromisso assumido pelo pacto em obrigação jurídica, mas para isso, deve ser ainda aprovada no Parlamento Europeu. Segundo Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, a UE ao mostrar para o resto do mundo que é possível ter uma economia competitiva e ao mesmo tempo sustentável, pode encorajar outros países a fazerem o mesmo.

A Aliança Europeia (grupo formado por representantes políticos, diretores de grandes multinacionais, sindicatos e ONGs), escreveu um manifesto pedindo que a UE não deixe de lado as ações previstas no Pacto Verde e utilize-as para sair da crise econômica, ações estas (como descarbonizar o setor de energia) voltadas para o desenvolvimento sustentável e ao combate à crise climática

Líderes de setores econômicos e energéticos afirmam que essa é uma oportunidade histórica para investirmos em uma recuperação econômica global voltada a combater a crise climática. Essa recuperação deve estar pautada no uso da energia renovável e não da energia baseada em combustíveis fosseis. 

Enquanto vemos todo esse esforço, pelo menos por parte da UE, em tentar recuperar a economia com medidas que visam combater a crise climática, aqui, em nosso país (que já está com altíssimas taxas de desmatamento em 2020), o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em reunião ministerial divulgada no dia 22/05/2020, sugere que o governo aproveite o momento em que a atenção da imprensa está voltada para a pandemia do coronavírus – no momento em que escrevo esta matéria, o Brasil é considerado o novo epicentro da pandemia e tem mais de 26.000 mortes – para “ir passando a boiada”, no que se refere a afrouxamento e desregulamentação da legislação ambiental. Segundo o ministro, este seria o momento ideal para que o Governo Federal baixasse decretos fazendo todas as alterações possíveis. Ou seja, o governo brasileiro continua mostrando que caminha a passos largos na contramão da preservação ambiental e do combate à crise climática. 

Danilo Vieira, biólogo, professor, mestre em Ecologia de Biomas Tropicais e consultor ambiental na Vellozia Estratégia e Consultoria Ambiental.

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