Na semana mundial do meio ambiente, a pergunta que fica no ar é: temos algo a comemorar neste ano? No dia 22 de maio, o cidadão brasileiro teve a oportunidade de presenciar um dos capítulos mais estarrecedores da história de nosso país. O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, retirou parcialmente o sigilo da reunião ministerial ocorrida no dia 22 de abril. Entre os ocorridos na reunião, o ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, protagonizou um dos episódios mais lamentáveis da história republicana. Ao presidente e seus pares, Salles pronunciou: “Precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, por só falar de covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”, e ainda afirmou: “O Meio Ambiente é o mais difícil de passar qualquer mudança infralegal em termos de instrução normativa e portaria, porque tudo que a gente faz é pau no Judiciário no dia seguinte”. O ministro foi ainda mais longe na sua proposição, quando disse que as mudanças por ele pretendidas não passariam pelo Poder Legislativo: “Não precisamos de Congresso, porque coisa que precisa de Congresso também, nesse fuzuê que está aí, nós não vamos conseguir aprovar. Agora, tem um monte de coisa que é só parecer e caneta”.
A fala de Ricardo Salles foi extremamente lamentável. Já o seria na boca de qualquer membro do Poder Executivo, mas assume um ar ainda mais grave vinda do próprio ministro do meio ambiente, em um momento que o Brasil é considerado o novo epicentro da pandemia de covid-19. Estamos tendo mais de 1000 mortes diárias em nosso país, com o sistema de saúde à beira do colapso, e, segundo o ministro, este é um momento de “tranquilidade”, ideal para mudanças nas regras... O que dizer disso? Essas mudanças se dariam por decretos, instruções normativas e pareceres para contornar as resistências e impedimentos vindos do Congresso Nacional. Um dos exemplos dessa estratégia apontada por Salles, é o despacho do dia 06 de abril, onde se reconhecia como áreas consolidadas as APPs desmatadas e ocupadas na Mata Atlântica até o ano de 2008.
A fala do ministro é preocupante do ponto de vista político, jurídico, ambiental e moral. Do ponto de vista político, é um discurso autoritário que tem sido uma característica cada vez mais explícita desse governo que elegeu as instituições brasileiras como “inimigas”. Essas mudanças no regramento sugeridas por Salles, caso fossem levadas ao Congresso para apreciação do Poder Legislativo, certamente não prosperariam.
No campo jurídico, fere a Constituição Brasileira que garante em seu art. 225 o “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. A preservação do meio ambiente é um valor presente na nossa Carta Magna e um direito de todo cidadão brasileiro. O simples fato de um ministro propor que esse valor não seja seguido pelo governo, torna o ato inconstitucional e a demissão deste ministro necessária.
Quanto à questão ambiental, as perdas de áreas verdes e serviços ecossistêmicos são imensuráveis. O Brasil vem batendo recordes de desmatamento no ano de 2020, tanto em áreas da Amazônia, como de Mata Atlântica. O desmatamento desordenado destas florestas, pode agravar, e muito, o efeito estufa. Ressalta-se ainda, o fato de que vários acordos comerciais do Brasil possuem cláusulas de proteção ao meio ambiente e cumprimento da legislação ambiental, que, se descumpridas, podem agravar a crise econômica em nosso país. Isso tudo serve para piorar ainda mais a imagem brasileira no exterior. A proposição do “valente” ministro contraria não só o bom-senso, como também, o contexto geopolítico atual.
Já no campo da moral, é triste ver que um ministro queira usar uma catástrofe humana de proporções globais – e ao que tudo indica, com um enorme número de mortos no Brasil – para agredir a legislação que regulamenta sua pasta. Num momento como este, espera-se das autoridades brasileiras: liderança, apoio, políticas para soluções de problemas e superação deste momento difícil. Mas o que se viu foi mesquinhez e miséria moral. Nem mesmo a dor, daqueles que perderam entes queridos, foi respeitada. A vida humana se tornou, apenas, uma “cortina de fumaça” a ser utilizada como oportunidade política, para se conseguir objetivos “infralegais” e inconstitucionais.
Ricardo Salles será lembrado na história pela sua incompetência que trará graves consequências para o Brasil. Demorará muito tempo para nosso país se recuperar dos ocorridos neste período. Isso me faz perguntar mais uma vez: há o que comemorar nesta semana do Meio Ambiente?
Diego D. Dias, biólogo, educador ambiental, mestre em Ecologia de Biomas Tropicais e consultor ambiental na Vellozia Estratégia e Consultoria Ambiental
Nenhum comentário:
Postar um comentário