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O árduo e importante trabalho de resgate da fauna silvestre.


Empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de impactos à fauna e flora em suas áreas de influência, estão sujeitas ao licenciamento ambiental. O resgate de fauna silvestre irá ocorrer durante a instalação e/ou o funcionamento destes empreendimentos, tais como estradas, hidrelétricas, ferrovias, linhas de transmissão de energia, abertura ou expansão de cavas de minas e barragens, aeroportos, entre outros. Ambos causam impactos diretos e imediatos na fauna da área diretamente afetada (ADA) pelos mesmos. Portanto, o resgate de fauna tem como objetivo minimizar os danos causados diretamente sobre a fauna silvestre, diminuindo a perda de patrimônio biológico e genético de espécies animais.

Para este tipo de trabalho, o termo manejo de fauna também é comumente utilizado, já que este envolve tanto o salvamento, resgate, triagem e destinação dos animais. Portanto, não apenas o resgate, mas também o transporte e soltura fazem parte. Além disso, a identificação dos animais é muito importante, inclusive para os relatórios exigidos pelos órgãos ambientais.

Dependendo do tipo da licença ambiental, os grupos faunísticos a serem resgatados podem variar. Neste texto, citarei minha experiência com o resgate de animais vertebrados junto à supressão de vegetação para instalação e funcionamento de um empreendimento.

Como é realizado o resgate de fauna

Este tipo de trabalho exige métodos de captura ativo, onde o biólogo procura os animais para serem capturados, tanto antes quanto durante a supressão vegetal. Antes de serem iniciadas as atividades de supressão, os biólogos fazem uma vistoria na área a ser desmatada para afugentar, resgatar e/ou identificar ninhos, tocas, vespeiros, colméias, entre outros. Em muitos casos, o afugentamento para áreas seguras e adjacentes à ADA, acaba sendo uma solução diante da dificuldade de captura de alguns grupos animais, como mamíferos de médio e grande porte. Em tese, o afugentamento é a primeira medida adotada pelos biólogos, pois evita o estresse causado pela captura, triagem e transporte dos animais, o que pode causar a morte de alguns indivíduos.

Na maioria das vezes, entre os animais vertebrados, o grupo com maior número de capturas é o da herpetofauna (anfíbios e répteis), devido à menor capacidade de deslocamento dos mesmos. Além deste fator, outros como o abandono de ovos e filhotes devido ao estresse, comportamento territorialista, entre outros, também influenciam na taxa de captura de algumas espécies.

Alguns dos animais capturados no meu trabalho com o resgate de fauna. FotosDanilo Vieira/Arquivo Pessoal.

Local(is) de soltura dos animais capturados

Após a captura, identificação e avaliação da saúde dos animais, os mesmos devem ser devidamente soltos em outras áreas fora da ADA do empreendimento. O ideal é que estes animais sejam soltos em locais com fitofisionomias semelhantes à área de captura e uma boa capacidade suporte, ou seja, com o maior tamanho possível. Tais locais serão determinados pelos órgãos ambientais no programa de resgate de fauna, podendo ser áreas preservadas do entorno imediato à ADA, unidades de conservação próximas (com a devida autorização), APPs (áreas de preservação permanente) e/ou a própria reserva legal do empreendimento.

Animais feridos ou mortos

Junto aos biólogos existem veterinários responsáveis por avaliar as condições de saúde do animal capturado. Quando há um ferimento, cabe ao veterinário decidir se vale ou não a pena tentar salvar o animal. No meu trabalho houve um episódio em que encontramos uma cobra Jararaca (Bothrops jararaca) com alguns cortes profundos. A veterinária responsável decidiu que deveríamos levar o animal para ser operado. Neste caso, enquanto eu continha o animal (com os devidos EPIs), ela realizou os procedimentos necessários (imagem abaixo). Após a operação, a cobra ficou em observação durante 24h e depois foi solta na reserva legal do empreendimento.

Na primeira imagem, um indivíduo de B. Jararaca na caixa de transporte, antes da sua soltura. Na segunda imagem, o mesmo indivíduo pós-operatório (com pontos).  Fotos: Danilo Vieira/Arquivo Pessoal.

Quanto aos animais mortos, estes, se estiverem em bom estado de conservação, são devidamente preservados, podendo ser mantidos em freezer ou imersos em álcool 70º. Posteriormente, devem ser enviados para instituições de ensino vinculadas, para uso de estudos científicos.

Equipamentos e aplicativos utilizados

 EPIs (equipamentos de proteção individual) necessários: botas de segurança, colete com faixa refletiva, capacete, perneira, luvas (de raspa ou vaqueta), óculos de proteção, protetor solar, protetor auricular. O uso de chapéu e blusa de manga comprida são aconselháveis pela longa exposição ao sol.

 Veículos 4x4 para deslocamento entre as áreas afetadas e transporte dos animais capturados.

 Pinção, gancho de contenção, cambão, puçá, caixa de transporte (ventilada), apito (para afugentamento), entre outros.

Uso de pinção para capturar uma cobra Jararaca. Foto: Danilo Vieira/Arquivo Pessoal.

Saber usar aplicativos de georreferenciamento e de fotos/vídeos com geolocalização, data e hora, é muito importante. Como exemplos, cito alguns gratuitos: Alpine, Geo Tracker e Timestamp Camera. Além disso, ter domínio de softwares como o Microsoft Excel para planilhamento das espécies coletadas e identificadas, também é fundamental neste trabalho.

O biólogo deve estar preparado

Ter meios para a identificação das espécies capturadas é muito importante, ou seja, o biólogo deve saber usar chaves de identificação e/ou ter materiais/fontes de consulta com imagens.

O manejo/resgate de fauna é um trabalho árduo, que exige, em qualquer ambiente, um certo preparo físico do biólogo e adaptação às adversidades climáticas. Em locais onde trabalhei, como nos campos rupestres do Quadrilátero Ferrífero - MG, com muita exposição ao sol e muitos desníveis, é muito importante fazer hidratação constante, uso de protetor solar e chapéu, além de estar preparado para subir e descer serras. Em adição a isso, em tais ambientes montanos o clima pode mudar abruptamente, com a chegada de cerração, friagem ou pancadas de chuvas. Sendo assim, o biólogo deve estar preparado para diversas situações.

Cerração densa. Foto: Danilo Vieira/Arquivo Pessoal.

Impactos ambientais e a importância do resgate de fauna

A supressão da vegetação gera diversos impactos negativos para a fauna silvestre, como a morte de indivíduos e a perda de seus habitats naturais ou redução da área de vida. A diminuição dessas áreas somada ao afugentamento/soltura de parte da fauna em áreas adjacentes à ADA, gera aumento da competição intra e interespecífica por recursos, além de alterações das taxas de predação, reprodução, dentre outras. Dessa forma, após a supressão da vegetação e a realização do programa de resgate, o programa de monitoramento de fauna é imprescindível para posterior análise dos impactos causados na área de influência do empreendimento.

Como abordado no início deste texto, o resgate/manejo de fauna é uma forma de minimizar os impactos causados diretamente à fauna pela instalação e funcionamento de alguns empreendimentos. Portanto, é um trabalho muito importante para a preservação da fauna silvestre, que para ser bem realizado, dependerá de vários fatores, como a experiência e o comprometimento da equipe de biólogos e do bom entrosamento entre estes e a equipe de desmate.    

Algumas INs (Instruções Normativas) IBAMA que dão diretrizes para a realização do manejo de fauna silvestre no âmbito do licenciamento ambiental:




Danilo Vieira, biólogo e mestre em Ecologia de Biomas Tropicais.


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Uma jornada de muitos passos 2: Consultor de flora: o que você precisa para ser um?

Foto de resgate flora em Miguel Burnier, Ouro Preto-MG
 

No post anterior, eu abordei de forma geral o que é preciso para um biólogo se tornar um consultor ambiental. Se você ainda não o leu, clique aqui e dê uma olhadinha lá, porque ficou bem legal! Hoje o assunto será flora (área onde eu atuo): o que você precisa saber sobre esse mercado?


Apesar de óbvio, você precisará ter bons conhecimentos em Botânica para trabalhar nessa área. Identificar plantas, dominar morfologia e taxonomia vegetal é fundamental para ser um bom profissional. Você também deve ter uma base sólida de ecologia vegetal, dominar as metodologias de estudo da flora (fique de olho, pois vai ter texto sobre isso aqui!), fitossociologia, índices de diversidade e interpretação de dados.


Uma dica importante é conhecer ferramentas digitais que auxiliam a identificação de plantas ou a obtenção de listas de espécies das localidades em que você trabalhará, como o speciesLink e o programa REFLORA. Esses dois sites (há outros) são muito importantes para o dia-a-dia do biólogo de flora. Também vai aí uma dica especial: participe de grupos de whatsapp que tenham outros consultores, pois lá você encontrará vagas e indicações!


O que faz um Consultor de Flora?

O botânico pode dar consultoria e assessoria na elaboração de estudos e programas que envolvam a flora. Dessa forma, o consultor atua em:


  • Resgate de Flora

  • Caracterização da vegetação

  • Inventários florísticos e florestais

  • Classificação de estágios sucessionais e determinação do grau de conservação

  • Cadastramento de indivíduos arbóreos


Esses trabalhos vão além dos conhecimentos técnicos em botânica, por isso é necessário que você esteja familiarizado com a legislação ambiental que norteará suas ações e decisões. Acostume-se também com a redação de relatórios, pois essa é uma atividade comum no dia a dia do consultor de flora. Portanto, treine sua escrita!


Outra área de atuação em que o consultor de flora pode atuar é na parte de recuperação de áreas degradadas, (minha área favorita!), onde você pode aplicar seus conhecimentos para recuperar ou compensar uma área que foi degradada.


Prepare-se! Há muito trabalho pela frente!

Os campos de flora costumam ser bem intensos e exigem bastante esforço físico e mental por parte do biólogo. Além de ter que planejar muito bem o seu campo, você trabalhará bastante na execução dos serviços. Por isso, se acostume com dias de trabalho bem cansativos, coletando plantas, andando pela vegetação em lugares de difícil acesso e com noites ocupadas com a identificação do material coletado, escrevendo planilhas para relatórios. E, a depender do trabalho, você ainda produzirá o relatório para o cliente! Puxado, né? 


Mas fique tranquilo! Apesar de todo esse trabalho, vale a pena cada segundo. Só não exagere no esforço e lembre-se de descansar, especialmente entre os campos. 


Até o próximo artigo!

 

Diego D. Dias
Biólogo
Mestre em Ecologia de Biomas Tropicais 
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Uma jornada de muitos passos: O que o biólogo precisa para atuar na consultoria ambiental?

 

Foto tirada em Miguel Burnier, Ouro Preto. Ao fundo, Serra de Ouro Branco, MG.
Foto tirada em Miguel Burnier, Ouro Preto. Ao fundo, Serra de Ouro Branco, MG.

 

Se você já leu um número razoável de textos explicativos sobre como se tornar um consultor ambiental, perceberá que não há uma receita pronta. Conversando com profissionais da área, você irá se deparar com histórias muito diferentes entre si, o que, apesar de interessante, pode ser um verdadeiro pesadelo para um aluno de graduação ou um biólogo recém-formado. 


Parte disso é proveniente do fato de os cursos de graduação em Ciências Biológicas, em especial os das universidades federais, ensinarem pouco sobre o funcionamento do mercado de trabalho. Assim, os formandos saem de suas respectivas universidades sem saber como e onde atuar. Portanto, muitos de nós não sabem como vender os conhecimentos adquiridos durante nossa formação. 


O que você precisa entender é que, como em diversas carreiras, você deve usar os seus conhecimentos para obter clientes e resolver suas demandas. E é aí que entra a consultoria ambiental! Ela oferece conhecimentos técnicos para ajudar empreendedores a enquadrar seus negócios à legislação ambiental.


O consultor fornece pareceres sobre os impactos causados sobre recursos naturais, seres vivos e meio socioambiental. Para atuar como consultor, é desejável que você se especialize em uma dessas áreas: Flora, Fauna, Meio físico ou Socioambiental. 


Dessa forma, é importante que durante a graduação você experimente as diversas áreas de conhecimento das ciências biológicas e se especialize na que mais lhe atraia. 


Já me especializei, me formei e estou pronto! Como posso começar?

Você já escolheu a área em que deseja atuar e já adquiriu uma boa quantidade de conhecimento, então vem a pergunta: “Como entrarei no mercado de trabalho?”. Tanto para quem já se formou quanto para quem ainda está na faculdade, a minha dica é: busque por estágios ou trabalhos como auxiliar de campo, tanto em empresas de consultoria ambiental como através de profissionais que já atuem na área e que possam lhe dar uma boa oportunidade. Nessas atividades você ajudará pessoas mais experientes, o que te trará um bom aprendizado através da prática e também um necessário networking para impulsionar a sua carreira. Quanto mais cedo você iniciar essa busca, mais rápido terá chances de entrar no mercado de trabalho e de cultivar um bom workflow.


Confiança é tudo!

Agora que você já entendeu que a consultoria ambiental é uma área onde se usa dos conhecimentos adquiridos para resolver as demandas  de um cliente, você está pronto para o próximo passo. Entenda que, como em outros trabalhos, este é um mercado de confiança. O seu cliente precisa saber que pode contar com você, portanto não pegue serviços que você não dará conta de entregar e fique sempre atento aos prazos! 


Dicas de características e habilidades que você vai precisar.

Além dos conhecimentos técnicos, é importante que você tenha ou desenvolva algumas habilidades, como: 


  • Trabalho em equipe

  • Bom relacionamento interpessoal

  • Proatividade

  • Resiliência

  • Foco para cumprimento de tarefas e prazos

  • Visão ampla de tarefas e processos

  • Organização

  • Bons conhecimentos em informática

  • Boa comunicação verbal e escrita

  • Condução de veículos - Esse é um importante diferencial! Boa parte do nosso trabalho consiste em dirigir por longos trajetos e pode ser que você consiga uma vaga graças a isso.

     

Não espere saber de tudo no início, pois você vai aprender muito com a experiência. Só não deixe de buscar por essas características.


Nos próximos posts vou me aprofundar mais em alguns pontos e contar um pouco da minha experiência no dia-a-dia. 

 

Até o próximo artigo!

 

Diego D. Dias

Biólogo

Mestre em Ecologia de Biomas Tropicais 


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Um balanço do desmatamento na Amazônia no governo Bolsonaro.


A taxa de desmatamento da Amazônia aumentou no governo de Jair Bolsonaro, chegando a atingir o maior número já registrado desde 2006. Como veremos neste texto, dados oficiais do próprio governo federal, advindos de satélites que compõem os sistemas Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite) e Deter (Sistema de Detecção de Desmatamentos em Tempo Real), controlados pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), comprovam tal aumento. Como já esperado, com a política instaurada do “vamos aproveitar e ir passando a boiada”, o desinvestimento em órgãos fiscalizadores importantes como o Ibama e ICMBio, as desestruturações do PPCDAm (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal) e do Fundo Amazônia, somados à impunidade aos infratores, incentiva as práticas de destruição dos biomas brasileiros, como a Amazônia. 
Atos como a instauração da portaria 151, também chamada de “Lei da mordaça”, instituída pelo Ministério do Meio Ambiente em 2021, proibiu que servidores do ICMBio falassem com a imprensa e publicassem textos científicos sem autorização prévia. Tal medida foi considerada uma censura contra a produção acadêmica e à opinião dos servidores, diminuindo assim a transparência do órgão ambiental. Além disso, antes mesmo de entrar no governo, Jair Bolsonaro já dizia que “o Brasil tinha áreas protegidas em excesso que atrapalhavam o caminho do desenvolvimento”, que “iria combater a indústria da multa do Ibama e do ICMBio” e “não iria conceder nem mais um centímetro de terras indígenas”. Dessa forma, houve uma sinalização para que o avanço desordenado da agropecuária, além de infratores como garimpeiros e madeireiros ilegais, continuassem destruindo a Amazônia cada vez mais.
    
Na penúltima medição feita pelo Prodes, de agosto de 2020 a julho de 2021, foi demonstrado um grande aumento da taxa de desmatamento na Amazônia, cujo número foi contabilizado em 13.235 km², o maior já registrado desde 2006 (14.286 km²), pelo Inpe. Quando analisamos o cenário a partir de 2004, com a criação do PPCDAm, houve grande redução do desmatamento na Amazônia. Principalmente de 2009 a 2018, houve uma queda expressiva que se manteve abaixo dos 8.000 km² (confira estes números no próprio site do Inpe). Nesse comparativo, percebemos que o enorme aumento do desmatamento detectado na Amazonia em 2021 foi um grande desastre. 

Já a taxa de desmatamento medida no período de agosto de 2021 a julho de 2022, 11.568  km², apesar de obter uma queda de 11% referente à penúltima medição, continuou com números alarmantes de florestas derrubadas (veja no site do Inpe), tendo a segunda maior taxa dos últimos 13 anos de medições. Em todos os anos do governo Bolsonaro, a taxa de desmatamento na Amazônia Legal, segundo o projeto Prodes, se manteve acima dos 10.000 Km² anuais. Para se ter uma comparação, a menor taxa foi atingida em 2012, com 4.571 Km², desde o início das medições em 1988.

Enquanto isso, os alertas de desmatamentos na Amazônia Legal, medidos pelo sistema Deter, bateram recorde de desmatamento em 2022, superando os 10.000 Km², uma devastação equivalente a uma área de quase 7 vezes a cidade de São Paulo. Esta área desmatada superou o maior número já registrado, em 2019, com 9.178 km², da série histórica que começou em 2015, quando os números completos anuais começaram a ser registrados.

O desmatamento gera vários danos como a degradação dos solos, extinção de espécies vegetais e animais, alteração dos regimes de chuva e do microclima local, comprometimento da provisão de serviços ecossistêmicos, dentre vários outros. Além disso, ele libera enormes quantidades de CO2 na atmosfera, o que intensifica o efeito estufa e aumenta a temperatura média global, possibilitando a crise climática, já presenciada nos dias atuais. Cabe ao novo governo reverter a crescente taxa de desmatamento nos biomas brasileiros, como a Amazônia, de modo a voltar a investir no poder de fiscalização dos orgãos ambientais competentes, além de punir exemplarmente a todos os infratores.

Danilo Vieira, biólogo e mestre em Ecologia de Biomas Tropicais. 
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Ricardo Salles revoga ato que prejudicava conservação da Mata Atlântica



      O ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles revogou um ato de seu ministério que, na prática, poderia cancelar infrações ambientais na Mata Atlântica como desmatamento e queimadas, além de regularizar invasões ocorridas neste bioma até julho de 2008. Esse despacho abria espaço para o descumprimento de partes da Lei 11.428/2006, conhecida como Lei da Mata Atlântica, aplicando em seu lugar as normas do Código Florestal que é muito mais permissivo.

Esse ato, publicado no mês passado, é um exemplo claro da estratégia apontada por Ricardo Salles na reunião ministerial divulgada no dia 22 de maio. Segundo Salles, agora seria o momento ideal para ir mudando as regras ambientais, enquanto a mídia e a população estão preocupadas com a pandemia de covid-19. Este despacho ocorreu dias antes da reunião, e vai ao encontro da fala do ministro na infeliz reunião.

A Mata Atlântica é o bioma mais frágil do Brasil, atualmente apenas 7,3% da sua cobertura original se encontra preservada. Está localizada na região mais populosa e desenvolvida do país, sendo explorada economicamente há mais de 500 anos.  Além de seu valor inestimável para a biodiversidade, este bioma é fundamental para o abastecimento de água das regiões onde se concentram a maior parte da população brasileira. É tão grande sua importância para o país que ela foi transformada em patrimônio nacional pela Constituição em seu artigo 225.

  Dessa forma, fica claro que despacho do ministério do Meio Ambiente foi muito infeliz, pois além de não respeitar os preceitos constitucionais, acontece num momento em que há um aumento do desmatamento da Mata Atlântica. Para se ter uma ideia do que esse ato poderia significar, o despacho anularia, só no Ibama, por volta 1.400 multas de proprietários que invadiram áreas de preservação permanente e retiraria deles a necessidade de reparação do dano ambiental.

Esta medida não foi bem-aceita pela sociedade e gerou contestação judicial. No mês passado, o Ministério Público Federal (MPF) do Distrito Federal entrou com uma ação na justiça para anulação do ato. Ainda, o MPF de São Paulo havia requerido que o Ibama descumprisse o despacho. Por isso, Salles recuou na resolução e anunciou que a Advocacia-Geral da União irá entrar no Supremo Tribunal Federal com uma Ação Direta de Constitucionalidade para saber se o Código Florestal pode ser aplicado à Mata Atlântica. Assim, caberá à suprema corte a decisão sobre o destino desse bioma tão importante para o Brasil.

Diego D. Dias, biólogo, educador ambiental, mestre em Ecologia de Biomas Tropicais e consultor ambiental na Vellozia Estratégia e Consultoria Ambiental

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Semana mundial do meio ambiente: será que temos algo a comemorar?

       Na semana mundial do meio ambiente, a pergunta que fica no ar é: temos algo a comemorar neste ano? No dia 22 de maio, o cidadão brasileiro teve a oportunidade de presenciar um dos capítulos mais estarrecedores da história de nosso país. O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, retirou parcialmente o sigilo da reunião ministerial ocorrida no dia 22 de abril. Entre os ocorridos na reunião, o ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, protagonizou um dos episódios mais lamentáveis da história republicana. Ao presidente e seus pares, Salles pronunciou: “Precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, por só falar de covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”, e ainda afirmou: “O Meio Ambiente é o mais difícil de passar qualquer mudança infralegal em termos de instrução normativa e portaria, porque tudo que a gente faz é pau no Judiciário no dia seguinte”. O ministro foi ainda mais longe na sua proposição, quando disse que as mudanças por ele pretendidas não passariam pelo Poder Legislativo: “Não precisamos de Congresso, porque coisa que precisa de Congresso também, nesse fuzuê que está aí, nós não vamos conseguir aprovar. Agora, tem um monte de coisa que é só parecer e caneta”.
A fala de Ricardo Salles foi extremamente lamentável. Já o seria na boca de qualquer membro do Poder Executivo, mas assume um ar ainda mais grave vinda do próprio ministro do meio ambiente, em um momento que o Brasil é considerado o novo epicentro da pandemia de covid-19. Estamos tendo mais de 1000 mortes diárias em nosso país, com o sistema de saúde à beira do colapso, e, segundo o ministro, este é um momento de “tranquilidade”, ideal para mudanças nas regras... O que dizer disso? Essas mudanças se dariam por decretos, instruções normativas e pareceres para contornar as resistências e impedimentos vindos do Congresso Nacional. Um dos exemplos dessa estratégia apontada por Salles, é o despacho do dia 06 de abril, onde se reconhecia como áreas consolidadas as APPs desmatadas e ocupadas  na Mata Atlântica até o ano de 2008. 
 A fala do ministro é preocupante do ponto de vista político, jurídico, ambiental e moral. Do ponto de vista político, é um discurso autoritário que tem sido uma característica cada vez mais explícita desse governo que elegeu as instituições brasileiras como “inimigas”. Essas mudanças no regramento sugeridas por Salles, caso fossem levadas ao Congresso para apreciação do Poder Legislativo, certamente não prosperariam.
No campo jurídico, fere a Constituição Brasileira que garante em seu art. 225 o “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. A preservação do meio ambiente é um valor presente na nossa Carta Magna e um direito de todo cidadão brasileiro. O simples fato de um ministro propor que esse valor não seja seguido pelo governo, torna o ato inconstitucional e a demissão deste ministro necessária.
 Quanto à questão ambiental, as perdas de áreas verdes e serviços ecossistêmicos são imensuráveis. O Brasil vem batendo recordes de desmatamento no ano de 2020, tanto em áreas da Amazônia, como de Mata Atlântica. O desmatamento desordenado destas florestas, pode agravar, e muito, o efeito estufa. Ressalta-se ainda, o fato de que vários acordos comerciais do Brasil possuem cláusulas de proteção ao meio ambiente e cumprimento da legislação ambiental, que, se descumpridas, podem agravar a crise econômica em nosso país. Isso tudo serve para piorar ainda mais a imagem brasileira no exterior. A proposição do “valente” ministro contraria não só o bom-senso, como também, o contexto geopolítico atual.
Já no campo da moral, é triste ver que um ministro queira usar uma catástrofe humana de proporções globais – e ao que tudo indica, com um enorme número de mortos no Brasil – para agredir a legislação que regulamenta sua pasta. Num momento como este, espera-se das autoridades brasileiras: liderança, apoio, políticas para soluções de problemas e superação deste momento difícil. Mas o que se viu foi mesquinhez e miséria moral. Nem mesmo a dor, daqueles que perderam entes queridos, foi respeitada. A vida humana se tornou, apenas, uma “cortina de fumaça” a ser utilizada como oportunidade política, para se conseguir objetivos “infralegais” e inconstitucionais. 
Ricardo Salles será lembrado na história pela sua incompetência que trará graves consequências para o Brasil. Demorará muito tempo para nosso país se recuperar dos ocorridos neste período. Isso me faz perguntar mais uma vez: há o que comemorar nesta semana do Meio Ambiente?

Diego D. Dias, biólogo, educador ambiental, mestre em Ecologia de Biomas Tropicais e consultor ambiental na Vellozia Estratégia e Consultoria Ambiental

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